terça-feira, 3 de agosto de 2010
Sim, não está o amor de Deus em ter lágrimas em nestes gostos e ternura – que pela maior parte os desejamos e consolamos com eles – mas sim e servi-lO
Se assim é, Senhor, que tudo isto quereis passar por mim, que é isto o que eu passo por Vós? De que me queixo? Que já tenho vergonha de assim Vos ter visto e quero passar, Senhor, todos os trabalhos que me vierem e tê-los em grande bem para Vos imitar nalguma coisa. Andemos juntos, Senhor; por onde fordes tenho de ir; por onde passardes, tenho de passar.
Sim, não está o amor de Deus em ter lágrimas em nestes gostos e ternura – que pela maior parte os desejamos e consolamos com eles – mas sim e servi-lO com justiça e fortaleza de ânimo e humildade.
O que pretendo dar a entender é... que a obediência é o mais rápido ou o melhor meio que há para chegar a este tão ditoso estado (de não buscar a nossa vontade senão a de Deus). É que não podemos, de maneira nenhuma, assenhorear a nossa vontade para aplicá-la pura e simplesmente em Deus enquanto não a sujeitarmos à razão. A obediência é o verdadeiro caminho para a sujeitar. Não é com boas razões que isto se alcança, porquanto a natureza e o amor-próprio têm tantas que nunca chegaríamos ao fim; e, muitas vezes, o mais razoável, se bem que não é do nosso agrado, nos parece disparate pela pouca vontade que temos de fazê-lo.
Como dizia Santa Clara, grande muros são os da pobreza. Destes, dizia ela, e da humildade, quereria cercar os seus conventos; e, certo é que se isto se guarda de verdade... tudo o demais estará muito melhor fortalecido do que em sumptuosos edifícios.
Mereçamos nós todos amar-Vos, Senhor, já que se há-de viver, viva-se para Vós. Acabem-se já os nossos desejos e interesses: que maior coisa se pode ganha de que contentar-Vos?
Flores
Ponde sempre o pensamento no que perdura e das coisas de cá de baixo nenhum caso façais... que não é aqui o vosso reino e que bem depressa tudo terá fim.
Ó morte, morte! não sei quem te possa temer pois em ti está a Vida.
Quando eu vejo algumas muito diligentes em entender a oração que têm e muito encapotadas quando estão nela (que parece não ousam bulir nem menear o pensamento, para que não se lhes vá um pouquito do gosto e devoção que tiveram), faz-me ver quão pouco entendem do caminho por onde se alcança a união, e pensam que ali está todo o negócio.
Me parece que Deus ajuda aqueles que por Ele se atrevem a mito e nunca falta a quem nEle só confia.
Tenho para mim que a medida de se poder levar cruz grande ou pequena, é a do amor. Assim esforçai-vos a padecer o que Sua Majestade quiser.
Flores
E pois que Sua Majestade Se deleita contigo, que todas as coisas da terra não sejam bastantes para te apartar de te deleitares e alegrares na grandeza do teu Deus e em como merece ser amado.
Nestas fundações [de casas religiosas] não conto os sofrimentos das jornadas, o frio, o sol, a neve que em certas ocasiões não cessava o dia inteiro. Ora nós perdíamos nos caminhos, ora sobrevinham muitos achaques e febres, porque – Deus seja louvado! – habitualmente tenho pouca saúde. Sua Majestade dava forças e com o fervor que me incutia... dir-se-ia que me esquecia de mim mesma.
Torno a dizer que está tudo ou grande parte em perder o cuidado de nós mesmas e das nossas comodidades, pois, quem de verdade começa a servir ao Senhor, o menos que Lhe pode oferecer é a vida.
Se quando andava no mundo só tocar Suas vestes sarava os enfermos, como duvidar, se temos fé, que faça milagres estando dentro de mim, e que nos dará o que Lhe pedirmos, pois está em nossa casa? E não costuma Sua Majestade pagar mal a pousada, quando Lhe dão boa hospedagem.
O que eu tenho entendido é que todo este edifício da oração vai fundado em humildade e, quanto mais se baixa uma alma na oração, mais a levanta Deus.
Flores
São tantas as coisas que vejo e o que entendo das grandezas de Deus e como Ele as tem guiado que quase nenhuma vez começo a pensar nisto na oração que não me perca o entendimento, e fique fora de mim como quem vê coisas que vão muito além do que pode entender.
Só a humildade... compreende num momento o que em muito tempo, trabalhando a imaginação, não pudera alcançar acerca do muito nada que somos e do mui muito que é Deus.
Sou Vossa, pois me criastes.
Vossa, pois me redimistes,
Vossa, porque me sofrestes,
Vossa, porque me esperastes,
Vossa, pois não me perdi.
Suplicava ao Senhor que me ajudasse, mas, devia faltar - ao que agora me parece - o não pôr de todo a confiança em Sua Majestade nem perder de todo o que punha em mim. Buscava remédio, fazia diligências; mas não devia compreender que tudo aproveita pouco se, perdida totalmente a confiança em nós mesmos, não a pomos em Deus.
Aproveita-me também a mim ver o campo, água ou flores. Nestas coisas encontrava eu memória do Criador, digo que me despertavam e recolhiam e serviam de livro.
Nota biográfica
Santa Teresa de JesusRubens
Santa Teresa de Jesus nasceu em Ávila em 28 de Março de 1515. Seus pais gozavam de uma situação económica desafogada pela posse de terras e pelo comércio. Pelo lado paterno, descendia de judeus conversos. Apesar da oposição do pai, Santa Teresa ingressou no convento carmelita da Encarnação de Ávila em 1535, tomou o hábito no ano seguinte e professou em 1537. Pouco depois sofreu uma doença até 1542, ano em que se iniciou uma crise espiritual que durou até à quaresma de 1554. Deu-se então nela uma completa transformação, a partir da qual não cessa de avançar espiritualmente através de experiências místicas extraordinárias.
Em 1560 resolveu empreender a reforma da sua Ordem, no que, desde o início, deparou com uma forte oposição. A sua vida decorreu num contínuo aperfeiçoamento espiritual e numa actividade incansável de reformadora e fundadora de conventos, para o que teve de efectuar viagens constantes.
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