sábado, 28 de agosto de 2010
Madre Teresa: Uma santa moderna .
Por ocasião do 100º aniversário de nascimento da Madre Teresa de Calcutá, no dia 26 de agosto de 2010, David Van Biema – ex-editor de religião da revista Time e autor e editor do livro “TIME Mother Teresa: The Life and Works of a Modern Saint” [Madre Teresa: A vida e a obra de uma santa moderna] – discute nesta entrevista a vida e o legado de um dos seres humanos mais icônicos do século XX.
A reportagem é de Bill McGarvey, publicada no sítio Busted Halo, revista eletrônica dos padres paulinos dos EUA, 24-08-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Como João Paulo II, a Madre Teresa é uma figura titânica desta idade midiática. Você pode falar um pouco sobre o seu apelo?
Bem, eu acho que ele é multifacetado. Há certas pessoas que, ao chegar ao centro das atenções, se as pessoas compreendem totalmente o que estão fazendo, amam-nas. E ela é uma delas. Também acho que ela tem um apelo especificamente para a minha geração. Sou um baby boomer [nascido no período pós-Segunda Guerra Mundial]. Ela começou seu ministério e sua ordem em 1948, o que correspondia aproximadamente à Guerra Fria, e morreu não muito depois do fim desta. Lembro-me dos exercícios em que você tinha que ficar debaixo da mesa. Nós não tínhamos dinheiro para ter um abrigo antibombas, de modo que tínhamos um pequeno armário roxo no porão, cheio de cereais secos – no caso de um ataque atômico.
Eu tinha essa noção muito forte, assim como muitas pessoas, de que havia pessoas que poderiam fazer um mal imenso pressionando um botão, sem realmente ver os efeitos de suas ações. Naquela época, o bem também era feito de uma forma semelhante, porque era uma época de um grande governo. Tinha-se a sensação de que havia burocratas de bom coração na cúpula desses programas sociais e, quando eles apertavam um botão, algo bom iria acontecer. Mas isso realmente não parecia mais familiar do que a Guerra Fria.
Acho que a Madre Teresa deu às pessoas da minha geração essa noção de intimidade do amor. Um tipo de amor que é totalmente um-a-um. Temos páginas do livro que estão repletas de fotos dela segurando os rostos das pessoas e olhando diretamente em seus olhos. Sua noção de ajuda era uma noção muito íntima e comunitária: de si mesma ou de uma de suas irmãs, a um dos mais pobres entre os pobres e a Jesus Cristo. Acho que isso foi imensamente atrativo para uma geração de pessoas que geralmente viam as coisas sendo feitas à distância.
Eu fiquei surpreso ao saber que a Madre Teresa veio de uma família razoavelmente rica. Há alguma coisa em sua pesquisa para esse livro que lhe surpreendeu sobre ela?
Parte do trabalho em um livro como esse é tentar descobrir o que é um santo. Mas, de outra forma, fazer esse tipo de livro me livrou da noção – se na verdade eu realmente a tinha – de que Deus tem que vir e apenas ligar um interruptor em uma pessoa. Eu acho que, em certa medida, talvez mais para não católicos do que para católicos, existe uma noção de santidade como essa espécie de “clique-boom”, ou da água que é transformada em vinho. A Madre Teresa nunca quis falar sobre o fato de sua família ter sido razoavelmente bem de vida quando ela era criança. Ela falou sobre como alguns dos membros da sua família eram agricultores, o que, sem dúvida, era verdade, mas sua família imediata não era.
E, de fato, se você olhar para a formação dela, você pode olhar para sua família e ver o tipo de competências que ela mostrou mais tarde em sua vida – ser capaz de organizar as pessoas e alguma compreensão do poder, uma espécie de nível de educação básica, uma tolerância para outras fés. Porque, na área da Macedônia onde ela vivia, isso era importante. Seu pai, em especial, tinha que se envolver com isso por que ele havia sido eleito para o conselho municipal em uma cidade em que o catolicismo albanês era uma minoria real. Sua família era muito envolvida com atos de caridade prática quando tinha dinheiro. Sua mãe, basicamente, andava por aí ajudando as pessoas, entregando dinheiro. As pessoas viviam com eles. Então, mais uma vez, esse não era um conceito totalmente novo para ela quando ela ficou adulta. Acho que o que estou tentando dizer é que, em vez de ligar um interruptor, Deus como que preparou o circuito antes do tempo.
Dito isso, houve também algumas pessoas que tiveram problemas reais com ela?
As pessoas perguntavam como é que ela não podia construir clínicas médicas, porque em certo momento havia dinheiro suficiente para construir clínicas médicas. Por que ela continuava só construindo casas, em que as irmãs faziam a mesma coisa que estavam fazendo? O argumento contra isso é que as clínicas médicas são gruas. Se elas podem ajudá-lo, elas vão ajudá-lo. É como triagem, e ela era o oposto à triagem. Ao mesmo tempo, há outra forma de transformar essa crítica: dizendo que ela estava mais preocupada com o sofrimento dos pobres, com a noção de uma boa morte e de estar lá presente para as pessoas que podiam estar morrendo, do que realmente em afastar as pessoas desse sofrimento.
Agora, eu acho que isso é muito discutível se você olhar para a quantidade de comida que passou pelo seu ministério, se você olhar para as drogas antilepra que, de certa forma, ela foi pioneira na distribuição. Mas também existem acusações de que as irmãs não são necessariamente incentivadas a utilizar meios comuns para tentar ajudar as pessoas da forma mais eficiente possível. Acho que até certo ponto essas coisas podem estar relacionadas. Ela sempre dizia: “Não somos assistentes sociais”. Se você está buscando fazer o maior bem possível para o maior número possível de pessoas, não estou certo de que ela é a sua santa. Mas o que ela fez foi um bem muito intenso pelas pessoas que estavam em uma necessidade muito grande.
Você acha que essa crítica é apenas o subproduto do fato de ela ser tão conhecida?
Em um determinado momento, ela deixou de ser apenas da Igreja e se tornou realmente do mundo, e de uma maneira estranha. Em uma época de celebridades, acho que essas pessoas santas atingem uma certa familiaridade do público e são jogadas no mesmo saco que as outras pessoas famosas. E, uma vez que você é famoso, você está sob um escrutínio extraordinário. Sempre haverá pessoas que não gostam de alguns aspectos do que você está fazendo.
Com ela, não foi tão difícil assim, especialmente se você tivesse determinadas opiniões. Se você é pro-choice Vaticano II. Por isso, as pessoas que eram muito mais pós-Vaticano II na maneira de ver as coisas podiam ter algumas dificuldades com ela. Acho que, se ela tivesse apenas continuado fazendo um bem incrível em Calcutá, essas questões não teriam sido levantadas.
Eu gosto da frase de Bob Geldof, no livro, que é mais ou menos assim: “Ela é hábil como qualquer político ou pessoa pública que eu já conheci, mas tudo o que ela faz parece ser para o benefício dos outros”. A partir de sua pesquisa, você conseguiu perceber se a Madre Teresa era consciente do seu lugar no cenário mundial?
Ela sempre alegou estar muito desconfortável com isso. Mas acho que é um pouco mais complicado do que isso. Em certo ponto, um dos seus biógrafos disse que ela havia se tornado uma especialista na homilia de aeroporto. Ela realmente gastou todo o seu tempo no ar durante a última parte – uma boa parte – da sua vida. Isso mais ou menos significava que era um evento público depois do outro. E acho que ela entendia que eles eram para o benefício das pequenas coisas. E quando ela voltou para Calcutá, ela se engajou em pequenas coisas de novo – mas não acho que você pode realmente dizer que ela odiava isso.
Você tem ideia do que as cartas que revelaram a sua longa noite escura da alma fizeram com a sua imagem ou a sua reputação?
Bem, dentro da Igreja, eu acho que elas apenas poliram a sua reputação. A ideia de que alguém pôde “jogar sem a bola” como foi com ela, durante 49 anos, é simplesmente um pensamento extraordinário. Embora haja cartas que sugiram que houve momentos em que ela tinha dúvidas, estas são uma pequena minoria – são como três ou quatro de mais de uma centena. Na maior parte, as cartas falam apenas de como ela está triste, e isso poderia ser descrito como algo heroico.
Acho que, fora da Igreja, pode ter havido, pelo menos inicialmente, um pouco mais de confusão. “Como alguém que tinha dúvidas de todo tipo pode ser considerada santa?”. Mas, para nós, ela é um tipo diferente de santa. Ela é uma pessoa mais complicada, ela é mais tridimensional. Ela é alguém que levanta questões que nós necessariamente não conhecemos todas as respostas. Nós pensamos nos santos, muitas vezes, como pessoas que levantam questões cuja resposta nós sabemos, ou questões para as quais eles mesmos são a resposta.
Ela é uma santa, aos olhos de muitas pessoas, que fez o que fez não apenas durante a Guerra Fria, mas também durante o período pós-freudiano. O que significa que, algum dia, alguém provavelmente vai pegar essas cartas e tudo o que o Pe. Brian Kolodiejchuk [postulador da causa de canonização] escreveu a respeito – porque ele tem acesso a tudo isso – e realmente se dar conta de como ela se encaixa como uma figura moderna. Acho que demos um passo nesse sentido, e a publicação do livro de suas cartas realmente levantou essa possibilidade, mas ainda não estamos lá.
Você tem alguma ideia dos sentimentos do Pe. Kolodiejchuk sobre tudo o que estamos sabendo sobre Madre Teresa agora?
Bem, acho que uma boa parte da noite escura foi surpreendente para ele. O Pe. Brian, pelo que sei, não sabia disso até começar a descobrir essas cartas, depois de passar a peneira enquanto trabalhava como postulador. Acho que ele ficou chocado e fascinado. E disse então que realmente havia lido algumas das cartas para as irmãs, e que elas ficaram boquiabertas.
Acho que ele estava bem ciente da forma como as cartas faziam dela uma figura mais interessante, complexa e, de alguma forma, mais complicada do que ela havia sido antes. Mas eu verdadeiramente acho que ele acolheu bem tudo isso. Ele está totalmente em paz, porque isso só acrescenta para a sua virtude heroica.
Como judeu secular assumido, o que significa cobrir questões religiosas tão de perto?
Isso vai parecer uma resposta fraca, mas eu me tornei um judeu um pouco mais observante [risos]. Se você está perguntando como um humanista ou como uma pessoa não espiritual olha para a fé, e por que eles poderiam ficar animados com isso, embora ao mesmo tempo eles mesmos não façam uma óbvia viagem de fé, eu acho que me colocaria nessa categoria geral. Acho que, assim como a fé tem formas de explicar o humanismo, o humanismo tem formas de explicar a fé. E eu não tendo a escrever sobre isso na maior parte do tempo, mas me sinto razoavelmente confortável em pensar na enorme amplitude para a alma humana e na capacidade que temos tanto para o bem quanto para o mal, e todas as coisas no meio. E acho isso extremamente nutritivo para ser capaz de escrever sobre a beleza das estruturas de pensamento que contribuem quando os fiéis agem bem por causa da fé. Isso necessariamente não exclui o fato de ser capaz de escrever sobre o que acontece quando as pessoas de fé não agem bem.
Começamos nossa conversa falando sobre a imagem da Madre Teresa como a santa perfeita para a geração dos boomers. Você tem alguma ideia de o que a sua vida pode representar para os milenares [millennials, os que nasceram no novo milênio]?
Uma das coisas que penso sobre isso é quantos aspectos definidores da geração dos boomers – esses grandes movimentos e instituições monolíticos que existiram – parecem ter se rompido. Agora, grandes coisas definidoras como poder, influência etc., estão muito mais fragmentados. Acho que isso é mais coerente com o que ela estava fazendo, porque, para os boomers, ela foi um exemplo de como as coisas não eram necessariamente monolíticas e institucionais. Esse tipo de trabalho pequeno, um-a-um, que ela fazia era mais consistente com a forma como vemos o mundo agora. Se o tipo de comunicação em que estamos engajados neste momento é uma espécie de intimidade ou de intimidade virtual, acho que, de certa forma, ainda é uma questão em aberto. Ela estava envolvida em uma intimidade um-a-um. E talvez, se eu fosse um milenar, eu me perguntaria: “Estou engajado na intimidade virtual ou na intimidade convencional?”.
Fonte: Blog Shalom
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