segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Os Sonhos de São João Bosco


Lê-se no Livro do Profeta Daniel — escreve Dom Lemoyne — no Capítulo I, versículo 17, que quatro jovens de famílias nobres que tinham sido levados escravos de Jerusalém à Babilônia pelo Rei Nabucodonosor, como permanecessem fiéis às leis do Senhor, pueris his dedit Deus scientiam et disciplinam in omni libero et sapientia; Danieli autem intelligentiam omnium visionum et somniorum. (A esses quatro jovens, Deus concedeu talento e saber no domínio das letras e das ciências. Daniel era particularmente entendido na interpretação de visões e sonhos).

Daniel recebeu de Deus a graça de saber distinguir os sonhos inspirados pelo Senhor dos que eram acidentais e fortuitos e de conhecer o que Deus queria lhe dizer neles.

Tal, e pelo mesmo motivo, foi a graça que o céu concedeu a (São) João Dom Bosco, com os sonhos que até aqui narramos; como também evidentemente, segundo nosso parecer, com o que seguidamente vamos expor e que foi narrado pelo (Santo) na noite de 22 de outubro de 1864.

(São) João Dom Bosco tinha sonhado a noite precedente. Ao mesmo tempo, um jovem chamado C... E..., de Casa de campo Monferrato, teve também o mesmo sonho, parecendo-lhe que se encontrava com (São) João Dom Bosco e que falava com ele. Ao levantar-se estava tão impressionado que foi contar quanto tinha sonhado a seu professor, o qual aconselhou-lhe que se entrevistasse com o (Santo). O jovem obedeceu imediatamente e se encontrou com (São) João Dom Bosco que baixava as escadas em sua busca para fazer o mesmo.


Pareceu-lhe encontrar-se em um muito extenso vale ocupado por milhares e milhares de jovenzinhos; tantos eram, que o (Santo) não acreditou que houvesse tantos moços no mundo. Entre aqueles jovens viu os que estiveram e aos que estão na casa e aos que um dia estariam nela. Mesclados com eles estavam os sacerdotes e os clérigos da mesma.

Uma montanha muito alta fechava aquele vale por um lado. Enquanto (São) João Dom Bosco pensava no que faria com aqueles moços, uma voz disse-lhe:

— Vês aquela montanha? Pois bem, é necessário que você e os teus ganhem sua cima.

Então, ele deu ordem a todas aquelas turbas de encaminhar-se ao lugar indicado. Os jovens ficaram em marcha e começaram a escalar a montanha a toda pressa. Os sacerdotes da casa corriam diante animando aos moços à ascensão, levantavam os cansados e carregavam sobre suas costas aos que não podiam prosseguir a causa do cansaço. (São) João Dom Bosco, com as mangas da batina arregaçados, trabalhava mais que nenhum e tomando aos moços de dois em dois os lançava pelo ar em direção à montanha, sobre a qual caíam de pé, brincando de correr depois alegremente por uma e outra parte.

Dom Cagliero e Dom Francesia percorriam as filas gritando:

— Animo, adiante! Adiante; ânimo!

Em pouco mais de uma hora aqueles numerosos grupos de jovens tinham alcançado a cúpula: (São) João Dom Bosco também tinha ganho a meta.

— E agora o que faremos? — disse.

E a voz acrescentou:

— Deves percorrer com teus jovens essas dez colinas que contemplas diante de ti, dispostas uma após a outra.

— Mas como poderemos suportar uma viagem tão longa, com tantos jovens tão pequenos e tão delicados?

— Quem não possa servir-se de seus pés, será transportado — lhe respondeu —.

E eis aqui que, em efeito, aparece por um extremo da colina uma magnífica carruagem. Tão formosa era que resultaria impossível descrevê-la, mas algo se pode dizer. Tinha forma triangular e estava dotada de três rodas que se moviam em todas direções. Dos três ângulos partiam três hastes que se uniam em um ponto sobre a mesma carruagem formando como o teto de uma parreira. Sobre o ponto de união levantava-se um magnífico estandarte no qual estava escrito com caracteres cubitais, esta palavra: INOCÊNCIA. Uma franja corria ao redor de toda a carruagem formando uma orla e na qual aparecia a seguinte inscrição: Adjutorio Dei Altissimi Patris et Filii et Spiritus Sancti.

O veículo, que resplandecia como o ouro e que estava guarnecido de pedras preciosas, avançou chegando a colocar-se em meio dos jovens. Depois de recebida uma ordem, muitos meninos subiram a ele. Seu número era de uns quinhentos. Apenas quinhentos entre tantos milhares e milhares de jovens, eram inocentes!

Um vez ocupado o carro, (São) João Dom Bosco pensava por que caminho teria que dirigir-se, quando viu ante sua vista uma larga e cômoda caminho, semeada ao mesmo tempo de espinhos. Em instantes apareceram seis jovens que tinham morrido no Oratório, vestidos de branco e hasteando uma muito formoso bandeira em que se lia: POENUENTIA (?). Estes foram colocar se à cabeça de todas aquelas falanges de moços que tinham que continuar a viagem a pé.

Seguidamente se deu o sinal de partida. Muitos sacerdotes se lançaram ao varal da carruagem, que começou a mover-se atirado por eles. Os seis jovens vestidos de branco seguiram-lhes. Detrás ia toda a multidão dos moços. Acompanhados de uma música muito formosa e indescritível; os que foram na carruagem entoaram o te Sentencie, pueri, Dominum.

(São) João Dom Bosco prosseguia seu caminho como embriagado por aquela melodia do céu, quando lhe ocorreu olhar para trás para comprovar se todos os jovens lhe seguiam. Mas oh doloroso espetáculo! Muitos tinham ficado no vale e outros muitos tornaram para atrás. Presa de inexprimível dor decidiu refazer o caminho já feito para persuadir a aqueles insensatos de que continuassem na empresa e para ajudá-los a segui-lo. Mas lhe foi negado categoricamente.

— Se não os ajudar, estes pobrezinhos perder-se-ão — exclamou cheio de dor.

— Pior para eles, — foi respondido —. Foram chamados como outros e não quiseram te seguir. Conhecem o caminho que terás que percorrer e isso basta.

(São) João Dom Bosco quis replicar; rogou, insistiu, mas tudo foi inútil.

— Também você tem que praticar a obediência — lhe disse.

E sem dizer mais, prosseguiu seu caminho.

Incluso no se tinha refeito desta dor, quando aconteceu outro lamentável incidente.

Muitos dos jovens que se encontravam na carruagem, pouco a pouco, tinham caído da carruagem. Dos quinhentos apenas se ficavam cento e cinqüenta sob o estandarte da inocência.

A (São) João Dom Bosco parecia-lhe que o coração lhe ia estalar no peito por aquela insuportável angustia. Abrigava, contudo, a esperança de que aquilo fosse somente um sonho; fazia toda classe de esforços para despertar, mas cada vez se convencia mais de que sei tratava de uma terrível realidade. Batia palmas e ouvia o ruído produzido por suas mãos: gemia e percebia seus gemidos ressonando na habitação; queria dissipar aquele terrível pesadelo e não podia.

— Ah, meus queridos jovens! — exclamou ao chegar a este ponto da narração do sonho. Eu vi e reconheci aos que ficaram no vale; aos que voltaram atrás e aos que caíram da carruagem. Reconheci-os a todos. Mas não duvidem que farei toda sorte de esforços a meu alcance para salvá-los. Muitos de Vós por mim convidados a que se confessassem, não responderam a minha chamada. Por caridade, salvem suas almas.

Muitos dos jovenzinhos que caíram do carro foram colocar-se pouco a pouco entre as filas dos que caminhavam detrás da segunda bandeira.

Enquanto isso, a música do carro continuava, sendo tão doce, que a dor de (São) João Dom Bosco foi desaparecendo.

Tínhamos passado já sete colinas e ao chegar à oitava, a multidão de jovens chegou a um muito belo povoado no qual descansaram. As casas eram de uma riqueza e de uma beleza indescritíveis.

Ao falar com os jovens sobre aquele lugar, exclamou:

— Dir-lhes-ei com a Santa Teresa o que ela afirmou das coisas do Paraíso: são coisas que se se falar delas perdem valor, porque são tão belas que é inútil esforçar-se em descrever. Portanto, só acrescentarei que as colunas daquelas casas pareciam de ouro, de cristal e de diamante ao mesmo tempo, de forma que produziam uma grata impressão, saciavam à vista e infundiam um gozo extraordinário. Os campos estavam repletos de árvores em cujos ramos apareciam, ao mesmo tempo, flores, gemas, frutos amadurecidos e frutos verdes. Era um espetáculo encantador.

Os jovenzinhos se esparramaram por toda parte; atraídos uns por uma coisa, outros por outra, e desejosos ao mesmo tempo de provar aquelas frutas.

Foi neste povoado onde o jovem de que falamos, encontrou-se com (São) João Dom Bosco, tendo com ele um prolongado diálogo. Ambos recordavam depois as perguntas e respostas da conversação que tinham mantido. Singular combinação de dois sonhos!

(São) João Dom Bosco experimentou aqui outra estranha surpresa. Viu de repente a seus jovens como se tornavam velhos; sem dentes, com o rosto cheio de rugas, com os cabelos brancos; encurvados, caminhando com dificuldade, apoiados em bengalas. O servo de Deus estava maravilhado daquela metamorfose, mas a voz disse-lhe:

— Você se maravilha; mas tem que saber que não faz horas que saiu do vale, mas anos e anos. Foi a música a que tem feito que o caminho te parecesse curto. Em prova do que te digo, observa tua fisionomia e te convencerás de que te estou dizendo a verdade.

Então a (São) João Dom Bosco foi apresentado um espelho. Olhou-se nele e comprovou que seu aspecto era o de um homem ancião, de rosto coberto de rugas e de boca desdentada.

A comitiva, enquanto isso, voltou a ficar em marcha e os jovens manifestavam desejos de quando em quando de deter-se para contemplar algumas costumes que eram para eles completamente novas. Mas (São) João Dom Bosco lhes dizia:

— Adiante, adiante, não necessitamos de nada; não temos fome, não temos sede, portanto, prossigamos adiante.

Ao fundo, ao longe, sobre a décima colina despontava uma luz que ia sempre em aumento, como se saísse de uma maravilhosa porta. Voltou a ouvir-se novamente o canto, tão harmonioso, que somente no Paraíso pode-se ouvir e gostar de uma coisa igual. Não era uma música instrumental, mas sim mas bem produzida por vozes humanas. Era algo impossível de descrever, e tanto foi o júbilo que inundou a alma de (São) João Dom Bosco, que despertou encontrando-se no leito.

Eis aqui a explicação que o [Santo] fez do sonho.

— O vale é o mundo. A montanha, os obstáculos que impedem de nos separar dele. A carruagem, vocês entendem (a inocência). Os grupos de jovens a pé, são os que, perdida a inocência, arrependeram-se de seus pecados.

(São) João Dom Bosco acrescentou também que as dez colinas representavam os dez Mandamentos da Lei de Deus, cuja observância conduz à vida eterna.


Depois acrescentou que se havia necessidade disso estava disposto a dizer confidencialmente a alguns jovens o papel que desempenhavam no sonho, se ficaram no vale ou se caíram da carruagem.

Ao baixar (São) João Dom Bosco da tribuna, o aluno Antonio Ferraris se aproximou dele e lhe contou diante de nós, que ouvimos suas palavras, que na noite anterior tinha sonhado que se encontrava em companhia de sua mãe, a qual lhe tinha perguntado se para a festa de Páscoa iria casa a passar uns dias de férias, e que ele havia dito que antes de dita data teria voado ao Paraíso... Depois, confidencialmente disse algumas palavras ao ouvido de (São) João Dom Bosco. Antonio Ferraris morreu em 16 de março de 1865.

Nós — continua Dom Lemoyne — escrevemos o sonho imediatamente e a mesma noite de 22 de outubro de 1864, acrescentamos-lhe ao final a seguinte adendo: "Tenho a segurança de que (São) João Dom Bosco em suas explicações procurou velar o que o sonho tem de mais surpreendente, ao menos respeito a algumas circunstâncias. A explicação dos dez Mandamentos não me satisfaz. A oitava colina sobre a qual (São) João Dom Bosco faz uma parada e o contemplar-se no espelho tão ancião, acredito que quer indicar que o [Santo] morreria passados os setenta anos. O futuro falará".

Este tempo aconteceu e nós temos que ratificar nossa opinião. O sonho indicava a (São) João Dom Bosco a duração de sua vida. Confrontemos com este o (sonho) da Roda, que só pudemos conhecer alguns anos depois.

As voltas da roda procedem por decênios: avança-se de uma a outra colina de dez em dez anos. As colinas são dez, representando uns cem anos que é o máximo da vida do homem.

No primeiro decênio vemos (São) João Dom Bosco, ainda menino, começando sua missão entre seus companheiros do Bechi, dando assim principio a sua viagem; depois comprovamos como percorre sete colinas, isto é, sete decênios, chegando, portanto, aos setenta anos de idade; sobe à oitava colina e nela descansa: contempla casas e campos maravilhosos, ou melhor dizendo, sua Pia Sociedade, que cresceu e produziu frutos pela bondade infinita de Deus. O caminho a percorrer na oitava colina é ainda largo e o (Santo) empreende a marcha; mas não chega à novena colina porque acordada antes. E assim finalizou sua carreira no oitavo decênio, pois morreu aos setenta e dois anos e cinco meses de idade.

O que opina o leitor de tudo isto? Acrescentaremos que a noite seguinte, havendo-nos perguntado (São) João Dom Bosco a nós mesmos, qual era nosso pensamento sobre este sonho, respondemos-lhe que nos parecia que não se referia somente aos jovens, mas sim também queria significar a dilatação da Pia Sociedade (Salesiana) por todo mundo.

Mas como? — replicou um de nossos irmãos —; temos já Colégios no Mirabello e em Lanço e se abrirá algum outro mais no Piamonte. Que mais quer?

— São muito diferentes os destinos anunciados pelo sonho — dissemos.

E (São) João Dom Bosco aprovava sorridente nossa opinião.
(M. B. Volume VII, págs. 796-800)

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