quarta-feira, 8 de setembro de 2010
A presença de Jesus fazia maravilhas
DOM DA EUCARISTIA
O encontro do sacerdote com Jesus na Eucaristia, fonte da Nova Evangelização
Por Cardeal Van Thuan
fonte: Revista Sacerdos
Edição Maio-Junho 2003
Muitas vezes pensamos que temos de ser santos para poder celebrar dignamente os santos mistérios: não ter pecado, santificar-se. Todas as manhãs reconhecemos que somos pecadores para celebrar dignamente. Contudo, poucas vezes pensamos, ou nunca, que a celebração da Eucaristia contribui para fazer do sacerdote um homem de Deus, um santo.
I. A minha experiência pessoal
A celebração faz do sacerdote um santo. É por causa disto que eu quero compartilhar com vocês a minha experiência eucarística, assim como a experiência de outras pessoas íntimas que me marcaram com a sua fé, com a sua devoção à Eucaristia.
No seminário, minha formação se inspirou na vida do Cura D´Ars, são João Maria Vianney, e do Padre Pio. Eles me acompanharam durante toda a vida sacerdotal. Quando eu celebrava sozinho na prisão, João e Pio estavam sempre diante de mim e celebravam comigo. Foi graças ao seu sacrifício e ao seu amor pela Eucaristia que eu pude sobreviver na prisão. Lembro-me de que o Padre Pio celebrava a missa não em vinte ou trinta minutos, mas em uma hora, uma hora e meia. Ninguém reclamava da duração da missa, porque todos estavam fascinados pela sua maneira de celebrar, inclusive os bispos que assistiam. Entretanto, algumas pessoas mal-intencionadas pediram ao Santo Ofício que o proibisse de celebrar a Eucaristia desta forma, e então o Padre Pio foi obrigado a celebrar a missa em no máximo 45 minutos. O Padre Pio obedeceu à ordem, mas os fiéis pediram à Santa Sé a permissão para o frade celebrar a missa como antes, e Pio XII deu a autorização.
Alguém perguntou a São João Maria Vianney porque às vezes ele chorava e outras vezes sorria quando celebrava a missa. Ele respondeu que sorria quando pensava no dom da presença de Jesus na Eucaristia e chorava quando pensava nos pecadores que não podem receber tal dom. Quando fui preso, retiraram todos os meus pertences, mas me permitiram escrever para casa e pedir roupa e remédios. Eu pedi que me enviassem vinho em frascos de remédio para o estômago. No dia seguinte, o diretor da prisão me chamou para perguntar se eu estava mal do estômago, e se tinha algum remédio. Depois de escutar as minhas respos-tas afirmativas, me entregou um pequeno frasco de vinho com uma etiqueta que dizia “remédio para a dor de estômago”. Este foi um dos dias mais felizes da minha vida! Desta forma eu pude celebrar a missa dia após dia, com três gotas de vinho e uma gota d´água na palma da mão e com um pouco de hóstia que me davam para a celebração, e que eu guardava com muito cuidado contra a umidade.
Depois, quando estava com outras pessoas de fé católica, era abastecido de vinho e de hóstias, que os seus familiares levavam quando iam visitá-los. De um modo ou de outro, eu quase sempre pude celebrar a missa, sozinho ou acompanhado. Celebrava depois das nove e meia da noite, porque a essa hora não havia luz e conseguíamos juntar umas seis pessoas. Todos dormiam numa cama comum, 25 em cada parte. Cada um dispunha de 50 centímetros: estávamos como sardinhas
Quando celebrava e dava a comunhão, secávamos o papel dos maços de cigarro dos prisioneiros e, com arroz, os pregávamos para fazer uma pequena bolsa na qual colocávamos o Santíssimo. Todas as sextas-feiras tínhamos uma aula de marxismo, e todos eram obrigados a participar. Depois havia um pequeno intervalo, e era quando os cinco católicos levavam o Santíssimo a outros grupos. Eu também o levava num pequeno pacote que colocava na minha bolsa, e assim a presença de Jesus me ajudava a ser corajoso, generoso, amável, e a dar testemunho de fé e de amor aos outros.
A presença de Jesus fazia maravilhas, porque entre os católicos também havia alguns que eram pouco fervorosos, menos praticantes... Havia ministros, coronéis, generais e, na prisão, cada um em particular fazia uma Hora Santa todas as tardes, uma hora de adoração e de oração diante de Jesus eucarístico. Assim, na solidão, na fome... uma fome terrível, foi possível sobreviver. Desta maneira dávamos testemunho na prisão.
A semente tinha sido semeada. Ainda não sabíamos como ia germinar, mas pouco a pouco, um a um, budistas, membros de diversas religiões, inclusive fundamentalistas hostis ao catolicismo manifestavam o desejo de ser católicos. Nos tempos livres eu ensinava catecismo a todos juntos. Batizava às escondidas e... era até padrinho. A presença da Eucaristia mudou a prisão, que era lugar de vergonha, de tristeza, de ódio e que tinha se transformado em lugar de amizade, de reconciliação e em escola de catecismo. Sem saber, o governo tinha feito uma escola de catecismo!
A presença da Eucaristia é muito forte, a presença de Jesus é irresistível. Eu e todos os meus companheiros de prisão somos testemunhas disto.
II. A Celebração Eucarística nos santifica
Não devemos ser santos para celebrar a Missa, mas celebrar a Missa para sermos santos.
1. In persona Christi
Quando celebramos a Santa Missa nos santificamos, porque o fazemos in persona Christi. Da mesma forma, as meditações, oração, a ação de graças, o louvor, a oblação e a intercessão.
Somos intercessores e estas funções, in persona Christi, nos ajudam a ser santos. Estas funções renovam a lembrança da nossa ordenação. São Paulo pede que nós pensemos na nossa ordenação, no momento em que nos impuseram as mãos. In persona Christi não está somente a lembrança da nossa ordenação, mas a identificação com Cristo. E quando pronunciamos as palavras da consagração, nos sentimos mais do que nunca filhos de Maria. Todas as manhãs somos renovados porque começamos uma aliança nova, sempre mais nova e eterna, que não termina. Esta identificação nos ajuda a ser santos. Também nos santificamos porque a Eucaristia é fonte da nova evangelização.
2. Fonte da nova evangelização
A Eucaristia nos ajuda a realizar a nova evangelização por todo o mundo. No Vietnã, na fronteira entre Laos e China, há uma aldeia cujos habitantes falam pouco o vietnamita, mas o entendem. Um dia, um sacerdote que vivia muito longe de lá viu um grupo daquelas pessoas caminhando e lhes perguntou para onde iam. Responderam que iam se batizar.
O sacerdote perguntou como tinham aprendido o catecismo, pois não existia um catecismo na sua língua. Responderam que tinham escutado uma estação de rádio de Manila: “Fonte da vida”. O sacerdote sabia que era uma rádio protestante, mas a rádio protestante também faz católicos! O pároco lhes convidou a ficar alguns dias com ele, para rezar e se preparar para o batismo. Eles responderam que só podiam ficar dois dias porque já tinham empregado seis pelo caminho, a pé nos montes, e devendo gastar outros tantos para voltar só tinham arroz suficiente para ficar aquele período de tempo. Nesses dois dias, o pequeno grupo de pessoas se preparou para receber o batismo e a comunhão, e assistiram à Missa pela primeira vez. Depois voltaram felizes para a aldeia de onde tinham vindo. Os comunistas os perseguiam e não davam autorização para construírem uma igreja. Então eles se organizaram, em segredo, com outros habitantes da aldeia, para dividir o trabalho da construção. Alguns se encarregariam da porta, outros das janelas, outros do piso, outros do teto. E numa noite de lua, levantaram uma pequena igreja de madeira. No dia seguinte a polícia foi atrás dos construtores e ordenou que igreja fosse destruída. Porém, toda a aldeia de 400 pessoas foi solidária e assumiu a responsabilidade da construção da igreja, que não foi derrubada.
Os recém-convertidos ao catolicismo sempre têm um vivo desejo de também levar a Palavra de Deus aos outros e, para fazer isto, às vezes têm que lançar mão de planos muito engenhosos. De fato, no regime comunista há um grande controle sobre as pessoas, que devem denunciar se alguém sai da aldeia ou entra, mesmo que seja só durante um dia. Para solucionar essas proibições são organizadas falsas brigas, e culpam como responsáveis da desordem algumas famílias que são convidadas a sair da aldeia. Essas famílias são as que depois levarão o Evangelho a outras aldeias e se transformarão em catequistas. É como no tempo dos apóstolos. Quando eu saí da prisão muitos vieram me visitar. Eu tinha conseguido para eles um rádio, para eles poderem acompanhar a Missa na estação Véritas, enquanto trabalhavam nos campos ou com os búfalos. Às nove e meia paravam o trabalho e se reuniam para assistir à Missa, escutar a pregação e recobrar forças para a nova evangelização. Estas pessoas sofrem muito, mas a presença de Jesus as ajuda.
III. A Eucaristia é força que transforma
Durante a celebração é preciso concentrar-se plenamente nos textos que são lidos, nos gestos que se realizam. Todos vocês têm a oportunidade de ver como o Papa celebra a Missa. Está tão absorvido na oração que se esquece de tudo o que está ao seu redor. Com freqüência fazem um gesto depois da comunhão para avisá-lo de que deve concluir a Missa, porque ele está transformado pela presença de Jesus.
Um dia fui convidado pelo Cardeal polonês André Deskur, amigo pessoal do Papa. Quando estávamos comendo, ele me convidou para ir ver a sua pequena capela. Fui, mas não notei nada em particular. Então o cardeal me disse que enquanto todo o prédio tem o piso de mármore, o da capela é de madeira, porque ele mandou trocar com medo de o Papa pegar uma pneumonia. De fato, desde que era sacerdote, bispo, cardeal, o Santo Padre freqüentemente rezava durante longo tempo prostrado por terra com os braços em cruz. Seu secretário me disse que ele ia sete vezes à capela para adorar o Santíssimo. É como se o Papa visse Jesus. As pessoas podem encontrar Jesus em homens como João Paulo.
Quando eu era diácono, servi a um cardeal da Armênia. Durante a bênção com o Santíssimo eu ficava impressionado com os seus gestos. Profundamente impressionado, porque quando colocava o incenso ele não estava em silêncio como todos nós, mas cantava o Tantum Ergo com tamanha devoção que transformava aquele momento em algo inesquecível. Este é o tipo de pessoas de que precisamos, porque elas encontraram Jesus e ajudam os outros a encontrá-lo.
Tive a oportunidade de constatar como a Madre Teresa rezava na igreja diante do Santíssimo. É inesquecível. Nas sacristias das casas da Madre Teresa está escrito, para ajudar os sacerdotes: “Celebra cada Missa como se fosse a tua primeira, a tua única, a tua última Missa”. A Madre Teresa pediu que escrevessem isto para lembrar a todos os sacerdotes que celebram nas suas casas. É uma graça muito grande ver como a Madre Teresa rezava diante do Santíssimo!
A formação que recebemos no seminário ajuda muito. Me comovem profundamente, até o âmago, hinos como o Sacris Solemnis, o Pange Língua, o Lauda Sion. Vemos toda a teologia nestas palavras: a fé no Santíssimo, na Eucaristia... Quando eu canto o Pange Língua – “in supreme nocte Coene, recumbens cum fratribus, observata lege plene, cibis in legalibus, cibum turbae duodenae se dat suis manibus” -, eu sinto que Jesus está presente. “Suis manibus”, que nos dá o Santíssimo! Quando eu canto o Lauda Sion não posso conter as lágrimas, porque eu vejo a graça do Senhor: “Sumunt boni, sumunt mali, sorte tamen inaequali, vitae vel interitus. Mors est malis, vita bonis; vide paris sumptionis quam sit dispar exitus”. Trata-se de um tratado de teologia viva, narrativa.
Então, o que devemos fazer com a nossa vida?
“Eucaristizar”. Transformar tudo em Eucaristia, para podermos ter o homem eucarístico, a Igreja eucarística, a terra eucarística, e assim toda a vida será Eucaristia. O mundo eucarístico da Igreja que crê, que espera, que guia, que está destinada à Restauração, que proclama a Trindade, que sempre renova o mundo, a sociedade. E estes são os meus bons desejos e a minha oração por todos vocês. Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo.
Nota:
O Cardeal Van Thuan foi presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz. Faleceu em Roma no dia 16 de setembro de 2002, depois de uma dolorosa doença. Estas meditações foram pregadas nos exercícios espirituais dirigidos aos membros do Centro Pastoral Logos, em fevereiro de 2002.
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